Quando Mark Zuckerberg fez o bombástico anúncio no dia 28 de outubro passado, o assunto metaverso virou um “hype” imediato. Na ocasião, Zuckerberg comunicou que a empresa Facebook passaria a se chamar Meta, e que ela havia sido criada para ser protagonista da nova era tecnológica que se descortina, onde os mundos virtuais passarão a fazer, cada vez mais, parte constante da vida das pessoas.
Uma fração da mídia e dos especialistas entendeu que essas novidades eram apenas uma cortina de fumaça para encobrir os problemas recentes do Facebook/Meta com vários tipos de acusações e processos e uma maneira de mostrar ao mercado que a empresa tem planos consistentes para perpetuar sua hegemonia nos meios digitais (não adiantou, as ações caíram quase 50% desde setembro).
Porém, grande parte dos meios de comunicação — de todos os tamanhos, tendências e coberturas — compraram a narrativa criada por Zuckerberg com grande entusiasmo. E ainda, o que não é nada surpreendente, surgiu uma enorme leva de evangelistas instantâneos — que nunca haviam falado ou escrito uma vez sobre o tema antes.
O metaverso já existe — chama-se internet
Vamos voltar um pouco no tempo. Por volta da década de 1980 começamos a nos relacionar com o ambiente digital usando principalmente computadores, e a partir de meados dos anos 1990, celulares. No meio deste caminho surgiu a revolução iniciada com a invenção da World Wide Web por Tim Berners-Lee. O cientista utilizou a infraestrutura de uma rede de computadores criada na época da Guerra Fria, a ARPANET, que foi rebatizada em 1983 de internet. Essa tecnologia foi evoluindo, passando pelas fases 1.0 (sites estáticos e sem interação, acesso por computadores, passividade do leitor), 2.0 (colaborativa, surgimento das redes sociais, blogs, acesso por celulares) e a recém-inaugurada 3.0 (internet semântica, internet das coisas, descentralizada, acessada por uma miríade de dispositivos).
Mas o que é metaverso? A palavra foi cunhada em 1992 pelo escritor Neal Stephenson no romance de ficção-científica Snow Crash. Em seu significado atual, metaverso se refere ao conceito de um mundo virtual altamente imersivo onde as pessoas se reúnem para socializar, brincar e trabalhar. Um ambiente digital simulado que usa realidade aumentada (AR), realidade virtual (VR) e blockchain, juntamente com conceitos de mídia social, para criar espaços para interações do usuário, imitando o mundo real.
A tal da imersão
Podemos hoje usar um navegador da web ou um smartphone para fazer reuniões de trabalho (Meet, Teams, FaceTime), passear em um shopping (Amazon, Mercado Livre, Americanas), visitar uma biblioteca (Google), ver os amigos no bar (Facebook) e terminar o dia no show do nosso artista favorito (Fortnite, Roblox). Por que, então, não estamos em um metaverso?
Nenhuma destas experiências imita esqueumorficamente o mundo real com eficiência, uma das premissas para a concretização do metaverso descrito mais acima. Em vez disso, elas são projetadas para atender às restrições e pontos fortes das telas 2D em nossos dispositivos. Navegar por metaversos ou ambientes virtuais tendo como suportes telas de celulares ou computadores é uma experiência muito, mas muito pobre. Quem conheceu o Second Life lembra bem.
Cadê o salto quântico?
No momento, óculos de realidade virtual, aumentada ou mista são o que de melhor a tecnologia oferece para quem quer atingir a imersão fundamental para uma boa fruição em ambientes virtuais. Não à toa, Zuckerberg comprou em 2014 a startup Oculus, que estava na vanguarda do desenvolvimento deste tipo de dispositivo. Várias outras empresas apostaram no segmento, como a HTC, Valve, Samsung e Sony.
Os melhores óculos ainda dependem de uma conexão com um PC ou console (no caso da Sony). A Meta (ex-Facebook) com seu Quest 2, oferece a melhor experiência em um dispositivo totalmente independente. Mas ainda é pouco: são equipamentos caros, desconfortáveis (experimente usar por mais de uma hora) e, por mais que tenham evoluído bastante, muito limitados. Do ponto de vista tecnólogico, não há no curto prazo nenhuma novidade ou previsão de algum tipo de salto de qualidade em relação à experiência que temos hoje — como o uso de lentes de contatos imersivas ou mesmo luvas hápticas — estas já em desenvolvimento.
Depois do “hype”
Agora que a poeira baixou bastante, podemos fazer algumas consíderações:
• Não fosse a jogada de marketing de Zuckerberg, dificilmente teríamos tanto alvoroço em cima do tema. como mostra o gráfico do Google Trends abaixo.
• Empresas aproveitaram o momento para criarem às pressas suas ações “metaversicas”, algumas se queimando bastante. O movimento parace ter arrefecido.
• Será muito importante uma interoperabilidade entre os inúmeros ambientes — os “bens” digitais (moedas, roupas, avatares) das pessoas estarem disponíveis em qualquer mundo virtual. Passar de um mundo para outro em um clique, como fazemos de site em site na internet. Ainda não há qualquer sinal disso acontecer, apesar de Zuckerberg enfatizar esse aspecto.
• Para rodarem de maneira eficiente, os programas imersivos ligados ao metaverso exigem computadores com processadores muito potentes e placas gráficas dedicadas. Você tem um?
Genesis Plaza – Decentraland | Divulgação
• Há grande chance de a ideia do metaverso falhar pelo simples fato de que esses serviços coletarão mais dados nossos, nos rastrearão mais intensamente e dominarão a nossa atenção de forma ainda mais completa.
• Para os mais puristas, o metaverso genuíno será um espaço compartilhado e colaborativo, apoiado por uma estrutura descentralizada. Meta, Microsoft, Apple, Epic e outros grandes players deixarão isso acontecer?
É bom lembrar que estamos na fase pré-beta do metaverso. O metaverso como muitos alardeiam é provável de existir, mas não inevitável. E pode se concretizar de uma maneira bem diferente da qual imaginamos. Por isso, empresas e profissionais devem acompanhar os acontecimentos sem afobação. Um amigo perguntou esta semana: será que já é hora do meu médico comprar um lote de terreno em Decentraland para montar seu consultório virtual? Eu esperaria mais.