O primeiro jato comercial da história foi um de Havilland Comet. O avião, que entrou em serviço pela companhia aérea inglesa British Overseas Airways Corporation – BOAC em 1952, tinha uma velocidade de cruzeiro de cerca de 850 km/h. Hoje, passados exatos 70 anos, voamos em diversos modelos de jatos comerciais. E a velocidade de cruzeiro deles fica na mesma faixa dos 850 km/h. Mas, por um período de tempo, entre 1976 e 2003, o icônico Concorde proporcionou viagens supersônicas duas vezes e meia mais rápidas do que as de qualquer avião. Projeto anglo-francês, o Concorde podia chegar a 2.500 km/h (Mach 2,04) voando a uma altitude de 18.300 metros.
O projeto, desculpem o trocadilho, nunca decolou realmente. Embora tenha atraído inicialmente diversas companhias pelo mundo, no final o Concorde só voou mesmo, e por motivos óbvios, pela francesa Air France e a britânica British Airways. Entre as razões do desinteresse, pode-se destacar a difícil rentabilidade por conta dos altos custos de manutenção, pouca capacidade de passageiros (no máximo 128), o alto consumo de querosene e a crise do petróleo da década de 1970, a poluição ambiental gerada e a poluição sonora produzida pelo estrondo sônico e as consequentes restrições de voo em áreas povoadas, restringindo a operação praticamente às rotas transatlânticas.
Mas agora existe uma grande chance de os voos supersônicos voltarem: vários projetos de aviões comerciais desta categoria estão sendo desenvolvidos pelo mundo, por empresas como a Virgin e Spike. E a líder nesta corrida, a start-up do Colorado Boom Supersonic fundada em 2014 por Blake Scholl, o engenheiro da computação citado no início deste post. A empresa acabou de assinar com a American Airlines um histórico acordo para a compra de até 20 aeronaves Overture, com opção de mais 40 – a American realizou um depósito não reembolsável pelas 20 aeronaves iniciais. Acredita-se que cada unidade custe em torno de 200 milhões de dólares.
O Overture transportará de 65 a 80 passageiros a velocidades de 2.100 km/h (Mach 1,7) sobre a água e 1.234 km/h (Mach 1) sobre terra, com um alcance de 7.870 km. A aeronave terá uma altitude de cruzeiro de 18.300 metros e será capaz de funcionar com combustível de aviação 100% sustentável (SAF), sem misturas ou aditivos, proporcionando operações com zero emissões. Seus elementos de design foram projetados para o máximo desempenho supersônico: o avião de 62,5 metros contará com quatro poderosos motores montados nas asas, ao invés dos dois originalmente previstos. O design também inclui uma grande asa de gaivota e fuselagem contornada, larga na frente e mais fina na parte de trás. Todas essas características foram projetadas para garantir estabilidade em qualquer velocidade.
A Boom Supersonic acredita que o Overture poderá voar em mais de 600 rotas ao redor do mundo, como de Miami a Londres em pouco menos de cinco horas e de Los Angeles a Honolulu em três horas. Em julho, a empresa revelou o design final de produção do avião e a previsão de lançar o veículo em 2025 e transportar seus primeiros passageiros até 2029. Além da American Airlines, United Airlines e Japan Airlines entre outras companhias já encomendaram cerca de 130 unidades do avião.
Ao contrário das companhias aéreas convencionais, que tentam tornar suas cabines mais confortáveis para as longas jornadas internacionais, a Boom Supersonic quer fazer o passageiro chegar rápido. “Aviões não são navios de cruzeiro”, comentou Scholl em uma entrevista. “Ninguém embarca em um voo comercial porque adora estar em um avião.” Ele diz que inicialmente os bilhetes Boom Supersonic se alinharão com as tarifas de classe executiva de aeronaves a jato. No longo prazo, o objetivo mais do que ambicioso é tornar o supersônico acessível para todos que voam. “Quero que as pessoas possam chegar a qualquer lugar do mundo em cinco horas por US$ 100. Vejo um futuro supersônico onde não pensamos em nós mesmos como vivendo em cidades, apenas vivendo na Terra. Para chegar lá será fundamental melhorar a eficiência do combustível – mas as viagens aéreas supersônicas, passo a passo, estarão disponíveis para todos”, comentou.
Apesar de todo um cenário positivo, há motivos para o projeto não vingar, como a não existência, ainda, de uma turbina para o avião, o atraso do primeiro voo do avião-conceito XB-1 (Baby Boom), os problemas ambientais por conta do estrondo sônico e o altíssimo custo de desenvolvimento. Segundo Scholl, a empreitada não é para os fracos: “A maioria das novas empresas no Vale do Silício nasce com apenas algumas centenas de milhares de dólares e lança rapidamente seus primeiros produtos. A Boom levará cerca de 10 anos desde a fundação da empresa até o voo do primeiro passageiro, a um custo de bilhões de dólares de investimento”.
(publicado originalmente no Globo em 24 de agosto de 2022)